segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Uma breve abordagem ao conceito de Património imaterial – o exemplo do Fado

Cabe analisar o que se tem entendido, antes de mais, por património. Do latim patrimonĭu, numa das suas acepções, entende-se como o conjunto das zonas, edifícios e outros bens materiais de um determinado Estado que devem ser protegidos e valorizados pelo seu legado cultural.

Esta noção aproxima-nos logo de uma ideia essencial: o Estado está naturalmente ligado ao seu património, isto é a um conjunto de bens que são susceptíveis de ser avaliados pecuniariamente e que no fim do dia reflectem o nosso desenvolvimento e identidade cultural. A ideia de materialidade e de avaliação pecuniária parecem, em parte, ser os critérios aferidores daquilo pelo qual se entende património cultural.

No entanto, tendo em consideração determinados instrumentos internacionais ( e.g: Convenção para a Protecção do Património Mundial, Cultural e Natural; Recomendação para a Salvaguarda da Cultura Tradicional e Folclore) , perceptiva-se que o património cultural não se traduz meramente através da sua materialidade.

É neste sentido que o conceito tem património ( na sua acepção cultural) tem de ser alargado sob pena de pecar no seu alcance. Importa, para tal, ter em consideração a Convenção para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial(1)

Leia-se no art. 2º do seguinte Diploma (2):

Artigo 2.º: Definições

Para os efeitos da presente Convenção,

  1. Entende-se por “património cultural imaterial” as práticas, representações, expressões, conhecimentos e aptidões – bem como os instrumentos, objectos, artefactos e espaços culturais que lhes estão associados – que as comunidades, os grupos e, sendo o caso, os indivíduos reconheçam como fazendo parte integrante do seu património cultural. Esse património cultural imaterial, transmitido de geração em geração, é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função do seu meio, da sua interacção com a natureza e da sua história, incutindo-lhes um sentimento de identidade e de continuidade, contribuindo, desse modo, para a promoção do respeito pela diversidade cultural e pela criatividade humana. Para os efeitos da presente Convenção, tomar-se-á em consideração apenas o património cultural imaterial que seja compatível com os instrumentos internacionais existentes em matéria de direitos do homem, bem como com as exigências de respeito mútuo entre comunidades, grupos e indivíduos e de desenvolvimento sustentável.

  1. O “património cultural imaterial”, tal como definido no número anterior, manifesta-se nomeadamente nos seguintes domínios:

a) Tradições e expressões orais, incluindo a língua como vector do património cultural imaterial;

b) Artes do espectáculo;

c) Práticas sociais, rituais e eventos festivos;

d) Conhecimentos e práticas relacionados com a natureza e o universo;

e) Aptidões ligadas ao artesanato tradicional.

  1. Entende-se por “salvaguarda” as medidas que visem assegurar a viabilidade do património cultural imaterial, incluindo a identificação, documentação, pesquisa, preservação, protecção, promoção, valorização, transmissão, essencialmente através da educação formal e não formal, bem como a revitalização dos diferentes aspectos desse património.

Da leitura do preceito, entende-se que uma ideia meramente patrimonial é apenas uma das faces da moeda. De outra perspectiva, poder-se-á dizer que existem duas espécies daquilo pelo qual se entende por património: o material e o imaterial. Haverá assento legal, no nosso ordenamento, quanto a esta distinção além da adesão à referida Convenção?

A defesa do património, como tarefa fundamental do Estado Português, está previsto no art.9 al.e) da nossa Lei Fundamental, sendo assim clarividente a importância que deve ser atribuída ao legado cultural da nossa sociedade. No entanto, nada nos elucida quanto à existência da eventual destrinça.

Porém, podemos encontrar o Decreto-Lei nº139/2009 de 15 de Junho sobre a protecção do Património Imaterial. Neste diploma legislativo, estabelece-se uma noção daquilo pelo qual se entende de património cultural imaterial e prevê-se alguns objectivos e medidas a prosseguir – v.g: a prevenção e salvaguarda do património nomeadamente através da identificação e documentação do património imaterial; o incentivo às comunidades e grupos à salvaguarda e gestão do património …

Para bom entendedor meia palavra basta e evidencia-se assim a existência de uma dualidade de espécies quanto ao conceito de património cultural.

O exemplo do Fado

“ Entregue candidatura do Fado

Em ambiente de confiança, a candidatura do Fado a Património Cultural Imaterial da Humanidade foi apresentada oficialmente esta sexta-feira, no Teatro São Luiz, em Lisboa.

A candidatura já foi entregue à UNESCO e a decisão deverá ser revelada em Novembro deste ano. São vários os trunfos do Fado para vencer a candidatura a Património Cultural Imaterial da Humanidade, diz ministra da Cultura.

“O Fado é uma das nossas expressões mais identitárias e quase iconográficas, diria. Há outro factor importantíssimo, também, que é a forma como o Fado se foi dispersando pelo mundo. Nós encontramos japoneses a cantar fado, chilenos a cantar fado. Há, de facto, um fascínio pelo mundo fora por esta expressão musical”, argumenta Isabel Canavilhas.

A confiança é partilhada pelo presidente da Câmara de Lisboa, António Costa, na apresentação oficial da candidatura do Fado.
“Tenho muita confiança no trabalho científico que foi feito, foi um trabalho de grande importância. Independentemente do que venha a ser a decisão da UNESCO, hoje já temos um acervo, um museu, um conhecimento do Fado muito mais aprofundado do que tínhamos, portanto, é uma candidatura que já valeu a pena”, sublinha António Costa. “

Diário de Noticias, 23 de Julho de 2010

Como bons portugueses que somos, todos nós sabemos qual o papel e valor que o Fado tem na nossa cultura – reflecte ambição, mágoa, saudade, o desejo: é o espelho da alma.

“Ouvindo as palavras de cada fado pode sentir-se a presença do mar, a vida dos marinheiros e pescadores, as ruelas e becos de Lisboa, as despedidas, o infortúnio e a saudade.” (3) – um misto de sentimentos que reproduz o caracter dos indivíduos portugueses.

Considerando que nem todo o património tem de ser tangível, é exactamente quanto a estes domínios que também reflectem a “personalidade” de uma sociedade que se visa dar protecção sob pena de se desvalorizar parte da nossa cultura.

Tal como circula entre os povos, Portugal é conhecido pelos seus três F’s: Fado, Futebol e Fátima. Não faria sentido, assim, descurar o Fado de Património Imaterial.

É assim nestes termos que Portugal, como já referido no artigo citado, apresenta a candidatura do Fado a Património Imaterial da UNESCO.

A candidatura será avaliada durante a Convenção da UNESCO que se irá reunir entre 22 e 29 de Novembro em Deli, Indonésia.



(1)Portugal aderiu a esta Convenção em 2008.

(2) http://www.unesco.pt/cgi-bin/cultura/docs/cul_doc.php?idd=16

(3) http://fado.com/index.php?option=com_content&task=view&id=22&Itemid=27


Tânia Fernandes

140107065

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