Uma breve abordagem ao conceito de Património imaterial – o exemplo do Fado |
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Cabe analisar o que se tem entendido, antes de mais, por património. Do latim patrimonĭu, numa das suas acepções, entende-se como o conjunto das zonas, edifícios e outros bens materiais de um determinado Estado que devem ser protegidos e valorizados pelo seu legado cultural.
Esta noção aproxima-nos logo de uma ideia essencial: o Estado está naturalmente ligado ao seu património, isto é a um conjunto de bens que são susceptíveis de ser avaliados pecuniariamente e que no fim do dia reflectem o nosso desenvolvimento e identidade cultural. A ideia de materialidade e de avaliação pecuniária parecem, em parte, ser os critérios aferidores daquilo pelo qual se entende património cultural.
No entanto, tendo em consideração determinados instrumentos internacionais ( e.g: Convenção para a Protecção do Património Mundial, Cultural e Natural; Recomendação para a Salvaguarda da Cultura Tradicional e Folclore) , perceptiva-se que o património cultural não se traduz meramente através da sua materialidade.
É neste sentido que o conceito tem património ( na sua acepção cultural) tem de ser alargado sob pena de pecar no seu alcance. Importa, para tal, ter em consideração a Convenção para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial(1)
Leia-se no art. 2º do seguinte Diploma (2):
Artigo 2.º: Definições
Para os efeitos da presente Convenção,
- Entende-se por “património cultural imaterial” as práticas, representações, expressões, conhecimentos e aptidões – bem como os instrumentos, objectos, artefactos e espaços culturais que lhes estão associados – que as comunidades, os grupos e, sendo o caso, os indivíduos reconheçam como fazendo parte integrante do seu património cultural. Esse património cultural imaterial, transmitido de geração em geração, é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função do seu meio, da sua interacção com a natureza e da sua história, incutindo-lhes um sentimento de identidade e de continuidade, contribuindo, desse modo, para a promoção do respeito pela diversidade cultural e pela criatividade humana. Para os efeitos da presente Convenção, tomar-se-á em consideração apenas o património cultural imaterial que seja compatível com os instrumentos internacionais existentes em matéria de direitos do homem, bem como com as exigências de respeito mútuo entre comunidades, grupos e indivíduos e de desenvolvimento sustentável.
- O “património cultural imaterial”, tal como definido no número anterior, manifesta-se nomeadamente nos seguintes domínios:
a) Tradições e expressões orais, incluindo a língua como vector do património cultural imaterial;
b) Artes do espectáculo;
c) Práticas sociais, rituais e eventos festivos;
d) Conhecimentos e práticas relacionados com a natureza e o universo;
e) Aptidões ligadas ao artesanato tradicional.
- Entende-se por “salvaguarda” as medidas que visem assegurar a viabilidade do património cultural imaterial, incluindo a identificação, documentação, pesquisa, preservação, protecção, promoção, valorização, transmissão, essencialmente através da educação formal e não formal, bem como a revitalização dos diferentes aspectos desse património.
Da leitura do preceito, entende-se que uma ideia meramente patrimonial é apenas uma das faces da moeda. De outra perspectiva, poder-se-á dizer que existem duas espécies daquilo pelo qual se entende por património: o material e o imaterial. Haverá assento legal, no nosso ordenamento, quanto a esta distinção além da adesão à referida Convenção?
A defesa do património, como tarefa fundamental do Estado Português, está previsto no art.9 al.e) da nossa Lei Fundamental, sendo assim clarividente a importância que deve ser atribuída ao legado cultural da nossa sociedade. No entanto, nada nos elucida quanto à existência da eventual destrinça.
Porém, podemos encontrar o Decreto-Lei nº139/2009 de 15 de Junho sobre a protecção do Património Imaterial. Neste diploma legislativo, estabelece-se uma noção daquilo pelo qual se entende de património cultural imaterial e prevê-se alguns objectivos e medidas a prosseguir – v.g: a prevenção e salvaguarda do património nomeadamente através da identificação e documentação do património imaterial; o incentivo às comunidades e grupos à salvaguarda e gestão do património …
Para bom entendedor meia palavra basta e evidencia-se assim a existência de uma dualidade de espécies quanto ao conceito de património cultural.
O exemplo do Fado
“ Entregue candidatura do Fado |
Em ambiente de confiança, a candidatura do Fado a Património Cultural Imaterial da Humanidade foi apresentada oficialmente esta sexta-feira, no Teatro São Luiz, em Lisboa. A candidatura já foi entregue à UNESCO e a decisão deverá ser revelada em Novembro deste ano. São vários os trunfos do Fado para vencer a candidatura a Património Cultural Imaterial da Humanidade, diz ministra da Cultura. “O Fado é uma das nossas expressões mais identitárias e quase iconográficas, diria. Há outro factor importantíssimo, também, que é a forma como o Fado se foi dispersando pelo mundo. Nós encontramos japoneses a cantar fado, chilenos a cantar fado. Há, de facto, um fascínio pelo mundo fora por esta expressão musical”, argumenta Isabel Canavilhas. A confiança é partilhada pelo presidente da Câmara de Lisboa, António Costa, na apresentação oficial da candidatura do Fado. Diário de Noticias, 23 de Julho de 2010 |
Como bons portugueses que somos, todos nós sabemos qual o papel e valor que o Fado tem na nossa cultura – reflecte ambição, mágoa, saudade, o desejo: é o espelho da alma.
“Ouvindo as palavras de cada fado pode sentir-se a presença do mar, a vida dos marinheiros e pescadores, as ruelas e becos de Lisboa, as despedidas, o infortúnio e a saudade.” (3) – um misto de sentimentos que reproduz o caracter dos indivíduos portugueses.
Considerando que nem todo o património tem de ser tangível, é exactamente quanto a estes domínios que também reflectem a “personalidade” de uma sociedade que se visa dar protecção sob pena de se desvalorizar parte da nossa cultura.
Tal como circula entre os povos, Portugal é conhecido pelos seus três F’s: Fado, Futebol e Fátima. Não faria sentido, assim, descurar o Fado de Património Imaterial.
É assim nestes termos que Portugal, como já referido no artigo citado, apresenta a candidatura do Fado a Património Imaterial da UNESCO.
A candidatura será avaliada durante a Convenção da UNESCO que se irá reunir entre 22 e 29 de Novembro em Deli, Indonésia.
(1)Portugal aderiu a esta Convenção em 2008.
(2) http://www.unesco.pt/cgi-bin/cultura/docs/cul_doc.php?idd=16
(3) http://fado.com/index.php?option=com_content&task=view&id=22&Itemid=27
Tânia Fernandes
140107065
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